segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Cara, cadê meus super-heróis??

Eis um teste para você. Considere uma historinha em quadrinhos de mocinhos e vilões. Um dos personagens, para alcançar seus objetivos, realiza interrogatórios sob tortura, faz ataques preventivos e planeja assassinatos seletivos para eliminar seus adversários. Pergunta-se: esse personagem é o mocinho ou o vilão?

Se você disse "mocinho", está desatualizado. Quem fez isso foi Scott Summers, o Ciclope, o atual líder dos X-Men, uma equipe de... super-heróis. Os X-Men são os paladinos da comunidade dos mutantes, pessoas que, por causa de mutações genéticas, adquiriram capacidades incomuns que podem ser tanto superpoderes extraordinários ou maldições terríveis. No universo ficcional, os humanos os "temem e odeiam" e as histórias giram quase todas em torno do conflito entre humanos e mutantes. Os X-Men sempre tentaram provar que ambos podem conviver pacificamente.

Recentemente, os argumentistas da Marvel reduziram os mutantes do seu universo ficcional de milhões para apenas 198, uma megaversão do que Janete Clair fez na novela Água Viva em 1980 (ela fez explodir um shopping-center para eliminar a maioria dos personagens, cujo número havia se tornado quase inadministrável). Desde então, os X-Men estão numa espécie de "estado de guerra" nos quais os fins estão cada vez mais tendendo a justificar os meios. Não por acaso, o arquiinimigo do grupo, Eric Magnus Lensheer, ou Magneto, apareceu no seu refúgio na última edição lançada no Brasil e confessou ter admiração pelo que a liderança de Scott tem conseguido.

A metáfora com conflitos raciais e opressões contra minorias sempre foi evidente nesse pano-de-fundo humanos x mutantes das histórias dos X-Men. A partir de 1975, começaram a aparecer na equipe membros de inúmeras nacionalidades e comunidades - um camponês russo, uma afro-americana, um irlandês, um índio norte-americano, uma judia, e até um brasileiro, Roberto da Costa. Mas parece que agora a metáfora é outra. Qualquer semelhança da descrição no parágrafo anterior com as tentativas do presidente estadunidense George W. Bush de legitimar os interrogatórios sob tortura e os ataques preventivos nos EUA pós-11 de setembro é coincidência só para quem quiser.


Sangue nu

Agora, uma outra dimensão do fenômeno. A violência aparece em desenhos animados e quadrinhos desde o início do século XX, mas praticamente sempre sem sangue visível. Bem, veja esses quadrinhos de histórias dos X-Men de 1983:

Quadrinhos publicados originalmente em Uncanny X-Men 173 (1983), mostrando uma luta entre Wolverine e o Samurai de Prata.

Ataques físicos violentos, mas visualmente assépticos, não é? Nada de sangue ou carne dilacerada à vista. Agora veja, estas, recentes:


Quadrinhos publicados originalmente em: Cable 6 (2008) (acima, à esquerda); Cable 5 (2008) (acima, à direita); X-Force 17 (2009) (abaixo - o mesmo Wolverine dos quadrinhos anteriores...).

Pois é. De lá para cá, a violência nas HQs de super-heróis foi se tornando cada vez mais detalhista - sangue epirrando, cadáveres de olhos abertos, membros decepados. Os desenhos computadorizados deram a tudo um realismo cada vez maior.

Além disso, antigamente os heróis quase sempre lutavam com seus superpoderes ou com as próprias mãos. Nos últimos anos, começaram a multiplicar-se os que usam arsenais de armas pesadas à la Rambo. Sem falar que, nas priscas eras, o vilão jamais conseguia explodir o metrô ou o prédio; agora os genocídios são apenas um elemento a mais na trama (no início deste texto, uma explosão mata centenas de inocentes numa praça, diante dos heróis impotentes - publicada originalmente em X-Force 13 em 2009).

Ao leitor atento de quadrinhos, isto parece remeter à grande quebra de paradigma que foi "O cavaleiro das trevas", que reformulou o personagem Batman, tornando-o bem mais sombrio e interessante. Mas não estou falando de reformulações nesse nível. Não houve nada parecido com Scott Summers. Não há continuidade narrativa entre o Batman original e o do Cavaleiro das Trevas; a linha narrativa sofreu um "reboot". Isso não aconteceu com os X-Men. Simplesmente o herói que era referência por suas virtudes morais e éticas passou a agir de outra maneira, sob a pressão das circunstâncias.

Em outras eras, ele lançaria mão do famoso "sempre há outra solução" e no final venceria sem cair na tentação de se tornar igual a seus inimigos. Mas estamos numa era nova. Nas aventuras do grupo X-Force, a partir de 2008, em X-Men Extra (há duas séries dos X-Men nos quadrinhos brasileiros, X-Men e X-Men Extra) ele monta às escondidas planos de assassinatos seletivos de velhos inimigos antes que eles resolvam agir e junta uma equipe de alguns x-men para executá-la. Sua justificativa é a situação acuada extrema dos poucos mutantes que restaram, sob risco de extinção. Um dos números motra Scott orientando a tortura de um vilão para obter informações.

"Os X-Men não matam" era um bordão até os anos 1990. Já no início daquela década, porém, um deles - justo o de alma mais nobre, o russo Piotr Rasputin, o Colossus - matou um vilão a sangue-frio, esmagando seu pescoço com suas mãos superfortes, escandalizado com a matança de que o dito tinha participado numa comunidade de mutantes renegados.

É evidente, pelo estilo dos desenhos e das histórias, que a idade do público-alvo desses quadrinhos aumentou um tanto nos últimos 20 anos. Mas também é claro que ainda são jovens. Não admira que gente como Michael Moore saia perguntando "Cara, cadê o meu país?". O que está acontecendo com os Estados Unidos?
P.S. - Veja também: Super-heróis de hoje têm influência negativa em meninos, diz estudo (BBC Brasil, 18/02/2010)

2 comentários:

  1. Homem-Aranha nunca matou ninguém de propósito. Matou uma vez acidentalmente.

    []s,

    Roberto Takata

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  2. Tem vários que nunca mataram. Espero que continuem assim. A tendência ao "os fins justificam os meios" varia em cada título. No caso dos X-Men, o bom-mocismo tradicional já era...

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