terça-feira, 8 de março de 2011

Dia da Mulher: tudo será como antes?

Convido os leitores a apreciarem este excelente post, publicado há exatamente um ano no blog da jornalista Sabine Righetti. É um dos melhores textos sobre os direitos das mulheres que já li. Pela simples razão que ilustra cabalmente como esses direitos não se referem apenas a acesso a cargos, empregos e legislação sobre aborto e outros temas "femininos" (ainda que estas coisas sejam de importância crucial). Trata-se fundamentalmente de uma postura social (e tem a ver com a figura ao lado). Com ela, o resto decorre.

E o modo como normalmente se "comemora" o Dia Internacional das Mulheres não ajuda em nada. Vejo no elevador um cartaz cheio de elogios, com a expressão "Flores de aço" em destaque. No ano passado, houve uma campanha no Twitter para que os homens deixassem de enviar mensagens para dar lugar às mulheres. Como se as mulheres tivessem problemas com essa rede social virtual.

Qual o problema? O problema é que, em ambos os casos, trata-se de uma atitude anestésica, cujo efeito praticamente se resume a nos dar uma impressão de dever cumprido. Na verdade, um mecanismo para aliviar a "culpa" interna - e que, por isso, trabalha contra a causa. Vamos então todos para casa e agora só nos preocupemos com isso no ano que vem... O túmulo que está a Internet sobre o 8 de março deste ano, em comparação com o ano passado, apenas corrobora tudo isso - estão mais preocupados em ver as semidesnudas do Carnaval.

Então, que atitudes tomar? Para começo de conversa, não é para fazer algo pelas mulheres no dia 8 de março! É para começar a fazer no dia 8 de março e continuar para sempre!

E fazer o quê? O melhor é começar tomando conhecimento das atitudes perniciosas que acontecem, que permeiam nosso comportamento sem que percebamos, que permeiam o discurso das pessoas entre si e nos meios de comunicação de massa. E, para isso, o citado post da Sabine é um ótimo recurso.

Mais: não se trata apenas de uma mudança dos homens. Estamos falando da sociedade como um todo. Há todo um condicionamento cultural que vem desde a primeira infância e que introjeta nas mulheres seu "papel" no mundo (por isso a imagem do início deste texto). A maioria das "vocações" femininas são, na vedade, apenas traços culturais transmitidos desde crianças. Isso é feito tanto por homens quanto por mulheres. "É a sociedade que deve mudar, e não só os homens." Quem disse isso foi a israelense Ada Yonath, prêmio Nobel de Química (não por coincidência, numa entrevista para a mesma Sabine Righetti, publicada na Folha).

Para se ter uma ideia da superficialidade com que se tratam as questões "femininas", vejam o que diz a filósofa Marilena Chauí sobre as verdadeiras causas do aborto neste pequeno trecho de vídeo de um programa Roda Viva de 1989 - são só dois minutos. O problema é muito mais profundo do que as atuais tentativas de legislação procuram alcançar.


Protagonismo

Para ilustrar a importância da mudança na postura social, vejam só o que aconteceu no Paraguai após a famosa Guerra do Paraguai de 1864-1870. O país foi totalmente devastado, principalmente pelas tropas brasileiras, a ponto do fim do conflito haver no país quatro quatro mulheres para cada homem, e estes em geral velhos ou crianças. Então, restou às mulheres reconstruir tudo.

O historiador paraguaio Carlos Gómez Florentín estudou isso. Diz ele, textualmente nesta entrevista: "Sem dúvida, as mulheres reconstruíram a nação. (...) As mulheres foram as grandes atrizes econômicas e sociais." Por "atrizes", refere-se ao conceito de "ator social", aquele que "protagoniza" um processo social.

Porém, em seguida, ele emenda: "A pergunta que requer uma explicação (...) é por que não ocorreu o mesmo no plano político. E, secundariamente, por que foram, com o tempo, perdendo esse protagonismo econômico?"

É aí que eu queria chegar. Ouso uma resposta hipotética: decerto porque não houve uma mudança correspondente na postura social. No nível da sua percepção social, as mulheres provavelmente estavam apenas esperando os homens voltarem.

Não foi o único caso do tipo. A imagem logo acima mostra uma mulher operária na fábrica de peças de aviões Consolidated Aircraft Corporation, em Fort Worth, no Texas, EUA, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Quando os homens não estão disponíveis, deixam para suas companheiras fazerem o seu trabalho. Quando voltam, tudo volta a ser como era.

Até quando tudo voltará a ser como era depois de cada 8 de março?

3 comentários:

  1. Excelente texto, Roberto. Especialmente hoje, 8 de março de 2011. As homenagens recebidas pelas mulheres nesse dia são enormes, mas, como você bem disse, amanhã a vida recomeça com essas mesmas mulheres "cumprindo" seu papel nessa sociedade que nada faz para que ocorra uma mudança. Isso é cultural, você também discorreu a respeito. Desde pequenas temos os exemplos a seguir, as regras, as imposições sutis. A boneca é quase imposta e brincar de casinha também. Mais tarde, aceitar as "escapadelas" masculinas é "normal", por que não? Afinal, o que seria da vida sem o provedor? A nós resta trabalhar fora ( uma grande conquista)? e em casa, jornada dupla. Educar os filhos, abaixar a cabeça, seguir em frente.
    A sociedade é patriarcal e isso não mudou.
    Até quando?

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  2. Pois é, e, como que para corroborar tudo isso que dissemos, veja só o que apareceu na Folha logo depois que postei isso: um subdesenvolvido país do sul da África, Lesoto, é o oitavo do mundo em igualdade entre os sexos, numa lista do Fórum Econômico Mundial. Um quarto de seus ministros são mulheres. O segredo? Uma das ministras disse: "O fator definitivo é a educação. Acho que muitas mulheres perceberam cedo que elas têm de educar suas filhas." Isso, educação, na escola e em casa, não só legislação. Temos algo a aprender com isso.
    http://www1.folha.uol.com.br/bbc/885855-pais-africano-esta-entre-dez-melhores-em-igualdade-entre-sexos.shtml

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  3. Li o texto da Folha. Quem iria imaginar isso?

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