domingo, 6 de março de 2011

Desabafo de um passageiro de ônibus urbano

Porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata
Mas com gente é diferente...
(Geraldo Vandré, "Disparada")

O que você faz quando um ônibus que você espera simplesmente passa do outro lado da pista, com poucos passageiros, e não pára no ponto? E quando, uns 15 minutos depois, outro ônibus da mesma linha faz a mesma coisa?

Se for em Campinas, ligar para a EMDEC, claro. Só que aí a pessoa do seu lado, no ponto, comenta que sempre faz isso e nunca viu mudança nenhuma...

Bem, foi o que me aconteceu ontem nesta cidade. "Sorte" que eu não tinha nenhum compromisso sério e nem estava em conexão - aqui tem um cartão com o qual você pode pegar mais de um ônibus no intervalo de uma hora; eu teria ultrapassado o limite e teria que pagar R$ 2,85 de novo.

Nesta cidade, Campinas, motoristas de ônibus decidem quando páram ou não nos pontos! O caso é particularmente frequente na linha 3.85, que vai ao shopping Iguatemi. Onde estão os fiscais??

Nesta cidade, Campinas, motoristas de ônibus, ao invés de parar completamente em sinais fechados, ficam dando "soquinhos", freiadinhas seguidas, enquanto as pessoas de pé são sacudidas e têm que se agarrar nos ferros e bancos para não serem lançadas para a frente de dois em dois segundos.

Se alguém faz isso num carro de passeio com alguém do lado, esse alguém em geral olha torto, reclama e diz que aquilo é não saber dirigir! Custa ter um pouco de respeito? Ou melhor, um mínimo?

Esta cidade, Campinas, é o único lugar que conheço onde você tem que se segurar no banco dos ônibus, sentado, para não escorregar pela tangente nas curvas! Porque aqui os ônibus aceleram nas curvas! Nunca vi isso em Belo Horizonte, São Paulo, Curitiba ou qualquer outro lugar onde tenha pego transporte coletivo.

Já vi várias pessoas se machucarem com freadas e aceleradas bruscas, feitas sem motivo aparente. Eu mesmo já arranjei um roxo enorme e dolorido na canela, após uma acelerada afobada.

Nesta cidade, Campinas, ninguém avisa quando uma linha muda de itinerário - e eles mudam frequentemente. Quando acontece, os passageiros ficam parados no ponto feito patetas, perdendo compromissos, tempo e paciência, enquanto o comboio faz outro itinerário. Já aconteceu várias vezes comigo e com gente que conheço.

Ah, sim, claro, dá para tomar informações ligando para a central ou vendo cartazes em alguns terminais. Tenho que ligar para a central todas as vezes que for pegar ônibus, agora??

Nesta cidade, Campinas, as rodas traseiras dos ônibus estão perto da metade do veículo e o asfalto é de uma qualidade horrenda, de modo que os bancos de trás sacodem feito cavalo de rodeio. Aprendi a ficar na ponta dos pés para amortecer e não sentir as ondas de choque através das minhas vísceras. Não admira que haja poças de vômitos ali com tanta frequência.

E, claro, em Campinas, como em quase todos os lugares do país, as pessoas ficam assardinhadas dentro dos ônibus, tendo que esfregar-se, homens em mulheres, mulheres em homens, para conseguir chegar na porta de saída a tempo de descer. Enfrentando suor alheio e falta de ar respirável quando chove e fecham as janelas. Afinal, por que o poder público gastaria mais dinheiro colocando mais veículos se os que já existem já fazem o serviço, isto é, transportar sua carga de um ponto a outro?

Acontece que essa "carga" é de seres humanos! NÃO SOMOS GADO!!!!!
P.S. - A ilustração no início do texto é assinada pelo cartunista português Álvaro.

4 comentários:

  1. Isso sem contar os cobradores "espertinhos" que agora com esse valor cretino de passagem (R$2,85!!!) vira e mexe dizem que não há troco: "Olha, moça, eu vou ficar te devendo cinco centavos" - Ei! Pelo código do consumidor, se o estabelecimento não tem troco você não paga! O problema de troco é da empresa, não do cliente.
    Pior ainda quando saem cobrando as pessoas que ainda não passaram pela roleta e sugerem que as mesmas desçam pela frente, pra embolsar o valor da passagem. Que falta de vergonha na cara!!!
    Eu já entrei em contato com a EMDEC pra denunciar esse tipo de coisa. Precisei passar o número da linha, o número do ônibus, a placa do ônibus, o horário em que andei nele e o local onde desci. Porque se eu não soubesse de alguma dessas coisas, "não dava pra checar". Recebi uma cartinha cerca de um mês depois, declarando que haviam apurado os fatos e que minha denúncia não procedia.
    E viva os serviços sem concorrência!

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  2. Fico pensando o que acontece se a reclamação for sobre ônibus que não apareceu no ponto. Tem que saber a placa do ônibus que não surgiu? Pois, em Belo Horizonte, uma vez isso aconteceu e, quando fui reclamar no site, deparei-me com um formulário que exigia a placa do veículo, senão o sistema não aceitava! Como é que vou saber a placa de um veículo que não vi? Nessa ocasião, mandei uma reclamação para lá com uma placa qualquer. O ônibus, para o distrito de Andiroba, tinha parado em outro ponto mais adiante e tinha outra coisa escrita na carroceria, de modo que não dava para saber que era ele visto de trás (sei porque um fiscal postado por ali me avisou depois que o ônibus saiu, e ainda me perguntou por que eu não tinha lhe perguntado, como se eu tivesse a obrigação de desconfiar que o meu ônibus pararia no lugar errado e com a uma carroceria transplantada). Dois anos depois, fui pegar o mesmo ônibus e aconteceu exatamente a mesma coisa - e o formulário estava e ainda está do mesmo jeito:
    http://www.bhtrans.pbh.gov.br/portal/page/portal/portalpublicodl/funcionalidade/faleconosco/transportecoletivo
    Infelizmente, não é privilégio de Campinas.

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  3. Essa situação desqualifica argumentações em pró do uso da rede pública que teoricamente é menos poluente e menos nociva ao trânsito. O sistema de transporte na minha opinião é um dos sintomas mais evidentes que nosso modelo de sociedade é falido. Mas sem querer mudar muito de assunto, me revolta os aumentos sempre acima da inflação do setor. Esses aumentos pra mim são sempre um susto, pois, além do grande aumento, é sempre na volta das férias, isso torna as coisas meio súbitas. Pode ter outras explicações, mas parece que vem bem a calhar a falta de capacidade de mobilização, que já é pequena, nessa época do ano.
    Acho o transporte vital demais para ser colocado em uma planilha e pensada por uma empresa para adquirir lucro. É a classe baixa e média se fud... Vejo que o alto preço do transporte tira do mercado grandes somas de dinheiro que poderia estar melhor distribuido no comércio e no setor de serviços. É um roubo ao pobre que perde grande poder aquisitivo nessa brincadeira.
    Fico imaginando o prefeito dando a canetada autorizando o aumento, fico pensando os empresários formentando greves...Fico pensando que está tudo errado.
    Em Juiz de Fora a ligação do prefeito Bejani com empresas de ônibus foi flagrada pela polícia federal. O prefeito recebia grandes somas de dinheiro para autorizar grandes aumentos. Naquela época participei de manifestações contra o aumento abusivo. Choramos a base de pimenta, mas lamentamos o pouco envolvimento de outros setores da sociedade que eram também atingidos. OS estudantes meio que isolados foram vencidos. Somente mais tarde o preço baixou com a operação da polícia federal já citada.

    Escrevi bastante com a energia gerada pela revolta que sinto nessa questão. Já cai duas vezes no ônibus de Campinas, presenciei diversas situações feias. Tento ser gentil ao máximo pra contrastar com o mal atendimento,incapaz de responder a um bom dia.

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  4. Pois é, Vitor, é muito fácil dizer que o transporte público é ecologicamente correto, mas há uma contradição flagrante entre isso e as condições em que esse transporte é mantido. Dizem "olha, pegue o ônibus". Você vai e é tratado com total falta de respeito. Não pode ser sério.

    E espero não estar sendo preconceituoso se eu disser que quem passeia mais de ônibus são os grupos de renda menor e que esses grupos, infelizmente, parecem estar mais dispostos a suportar maus-tratos pelo sistema, por diversas razões sociais. Levam tudo isso que dissemos como se fosse um fato da vida. Nem sempre, mas parece uma tendência. Reclamam entre si, apenas. Bem, o que esperar de pessoas acostumadas a acordar às 5 na periferia para levar 3 horas para chegar no local de trabalho? (Ops! alguém lembrou que agora em SP os carros de passeio levam o mesmo tempo no engarrafamento diário?). Ou a trabalhar 7 dias por semana em lojas de shoppings aguentando desfeitas de clientes?

    O que vai de encontro à sua outra observação: a exploração da incapacidade de mobilização. Aumentos de passagens sempre vêm nos momentos de menor possibilidade de mobilização da população, assim como aumentos em cantinas universitárias sempre aparecem no primeiro dia de aula, quando o campus é subitamente povoado por hordas de novatos não-mobilizáveis, e assim por diante.

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