quarta-feira, 9 de março de 2011

O "simples extraordinário" da óptica atmosférica

É bom ter um irmão astrônomo e meteorologista amador. Aprendi com sua turma do Clube de Astronomia do Paraná que borrões que vemos cotidianamente no céu, de dia ou de noite, podem ser fenômenos atmosféricos raros e que ocultam fenômenos naturais ao mesmo tempo simples e notáveis. É só saber interpretá-los.

Um exemplo. Já viram um sutil brilho que aparece ao redor da nossa sombra sobre a grama ou num capinzal, ou mesmo num chão arenoso? Não sabem do que estou falando? Vejam as fotos ao lado (parte de cima), tirada deste site. O brilho aparece ao redor da cabeça (ou, se for foto, ao redor da máquina fotográfica...), em geral no fim da tarde, quando a sombra está bem longa sobre o chão.

Não é a "aura" de ninguém, é apenas o seguinte. A parte ao redor da cabeça está, naturalmente, sendo vista com o Sol bem atrás da gente. A luz do Sol chega ali quase paralelamente à linha de visada; por isso, nessa pequena parte vemos pouco as penumbras que existem dos lados de cada grãozinho do chão. Já no resto da área, ao redor, estamos vendo obliquamente - e aí as penumbras laterais dos grãozinhos são mais visíveis. Veja os diagramas ao ao lado, que mostram três casos - com grãos grandes, médios e bem miúdos. O resultado é um contraste: onde vemos menos penumbra, parece-nos mais claro. Daí a mancha brilhante.

Experimente, quando estiver sobre um gramado no fim de tarde. É legal. Fica mais fácil ver se você estiver em movimento.

Isso é algo muito comum, só que a maioria de nós nem percebe. Há outras coisas bem raras. Hoje chegou-me uma foto do meu irmão, mostrando um brilhozinho aparentemente mínimo, que ele viu de um avião quando descia em Porto Alegre. Não vou pôr aqui, porque tem copyright. Cliquem lá. Está no meio da parte inferior, tem a forma de uma sutil linha vertical brilhante. Passaria totalmente despercebido por mim, ou eu acharia que era defeito da minha própria visão, ou qualquer outra coisa sem a menor importância. No entanto, é um fenômeno tão incomum que aquela foto inocente foi publicada na seção de imagens do dia do site Atmospheric Optics, referência no assunto.

A origem desse fenômeno é exatamente a mesma do brilho ao redor da sombra no gramado ou no chão pedregoso no fim de tarde. Só que, ao invés de gramado, há uma plantação. Acontece que esse efeito é em geral circular. Um com forma de linha, como o Fabiano observou, precisa de um alinhamento muito perfeito entre as plantinhas, o que é muito difícil de acontecer. Por isso o pessoal do Atmospheric Optics ficou impressionado.

Bom, tudo isso pode ser um pouco difícil de entender, mas, depois que a gente compreende, a coisa fica tão simples quanto extraordinária. A união do simples e do extraordinário provoca no espírito - no meu, pelo menos - uma sensação... sei lá, um misto de prazer estético e prazer intelectual muito difícil de descrever.

O meu estado de espírito se refletiu na resposta que lhe mandei por e-mail:
"Quando o astronauta desceu na Lua, minha idade atrás, disseram que os namorados tinham perdido sua grande inspiração, que então a fonte mágica do belo luar noturno que iluminava as almas estaria reduzido a um pedaço de minério girando parado ao redor do nada e ainda por cima espetado por uma bandeira dos EUA, tal como uma seta geopolítica atravessando um coração e transformando-o em pedra morta. No entanto, o pedaço de pedra continua fazendo lobos e namorados uivarem exatamente do mesmo jeito e, enquanto, isso os "insensíveis" astrônomos uivam para luzes que iluminam regiões do espírito de cuja existência a maioria dos namorados nem desconfia..."
Tem mais uma porção de fotos do Fabiano Diniz no seu site, cheio de explicações sobre por que os fenômenos acontece - arco íris, halos etc. - ou então no Flickr.

P.S. - A versão original foi corrigida, inclusive com a troca das imagens, seguindo sugestões do físico e astrônomo amador Mário Sérgio Teixeira de Freitas - que também tem uma página que inclui imagens de óptica atmosférica.

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