segunda-feira, 7 de março de 2011

Compreender Hannah Arendt

"Compreender: formação, exílio e totalitarismo" (ensaios)
Hannah Arendt

Cia. das Letras e Editora da UFMG

2008


É possivel, para um intelectual, fazer filosofia política para compreender seu próprio inferno? Este livro é uma coletânea de ensaios da filósofa e cientista política alemã Hannah Arendt (1906-1975) que cobre de 1930 a 1954. Começa quando ainda residia no seu país, atravessa o período do terror nazista - era judia - e termina quando ela já estava exilada nos Estados Unidos.

Na verdade, Hannah não gostava que a chamassem de filósofa. Numa entrevista a Günter Gaus, reproduzida no início do volume, disse que trocou essa áera pela ciência política exatamente no dia 27 de fevereiro de 1933, quando o governo de Hitler, recém-instaurado na Alemanha, provocou um incêndio no próprio Parlamento do país para justificar perseguições políticas generalizadas - era o início do terror nazista no país. "Eu me senti responsável. Isto e, não achava mais que se pudesse ser um simples espectador", contou a Gaus.

A partir de então, passou a tentar compreender como pôde acontecer o horror totalitário na Europa - Alemanha, União Soviética e outros países - e a analisar o fenômeno do sionismo. Os ensaios refletem bem essa ruptura. Após alguns estritamente filosóficos no início, logo passa a contemplar majoritariamente temas políticos, muitas vezes envolvendo os totalitarismos.

Hannah não achava que o terror estatal no seu país e na Rússia era uma variante de regimes autoritários que existiam havia séculos, mas sim algo novo e terrível, uma especificidade típica do século XX. Ao falar desses assuntos, estava na verdade se metendo em terreno com reflexos pessoais. Judia, foi perseguida pelo regime e fugiu para a França; pouco depois, a Alemanha invadiu o país e ela foi presa num campo de concentração francês; conseguiu fugir, caminhou algumas centenas de quilômetros a pé até conseguir condução, atravessou a fronteira com a Espanha e zarpou para os Estados Unidos num navio.

A obra de Hannah é, assim, permeada pela sua dimensão pessoal num nível incomum em intelectuais. Outro tema em que não pôde deixar de se envolver foi o feminismo, a condição de ser mulher no meio intelectual de sua época. Mas um elemento importante de sua vida que quase não aparece neste livro - talvez por ser excessivamente pessoal - é sua relação com Martin Heidegger, um caso de amor extraordinário e cinematográfico que sobreviveu mesmo às acusações de compactuação com o regime nazista imputadas ao autor de "O ser e o tempo". O surpreendente retorno de Hannah aos braços do ex-amante, após anos de rompimento por causa do papel de Heidegger dentro da máquina do regime, e superando todos os horrores por que passou, constituem as páginas mais sublimes da biografia escrita por Laure Adler ("Nos passos de Hannah Arendt", editora Record). No entanto, em "Compreender", Hannah dedica a ele apenas um ensaio de exatamente uma página - mas um texto surpreendente, escrito de forma cifrada mas muito belo.

Há no volume também várias resenhas - incluindo, como não poderia deixar de ser, interessantes comentários sobre a obra de Franz Kafka, o profeta do apocalipse totalitário que se abateu sobre a Europa no século XX e talvez de vários aspectos mais sutis da sociedade moderna. O leitor encontrará no livro também alguns ensaios muito atrativos do ponto de vista historiográfico, pois captam percepções sobre certos momentos históricos no calor da hora - como a sua análise sobre o "problema alemão" em pleno 1945, ano do fim da Segunda Guerra.

Há um outro lado muito importante do pensamento político de Hannah pouco abordado nesses encritos, referente ao problema do sionismo. No entanto, a Introdução de Jerome Kohn promete um segundo volume que reúna esses trabalhos. Esperemos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário