Nunca dei grande trela para essas previsões teóricas imediatistas do "fim" do e-mail, massacrado pelas redes sociais - afinal, ainda recebo muitos e-mails o por dia sem parar. Mas eis que hoje, depois de ler um post da Kika Castro sobre isso, resolvi dar uma olhada no que realmente recebo (estou aqui "roubando" o assunto dela...!). E vi que a maior parte dos e-mails que me chegam são avisos de mensagens e congêneres do Facebook, Linkedin, blogs e outras redes sociais ou de matérias em sites.
Olha a dimensão da coisa: neste instante, há 39 "chamadas" de mensagens na primeira página do meu Gmail, sendo que apenas 8 são trocadas por e-mail entre eu e outra pessoa física identificável (detalhe: as oito são com a mesma pessoa). O resto são avisos de redes sociais, boletins informativos de notícias sobre ciência e coisas do tipo. Houve um tempo em que eu frequentava mais de 30 listas de e-mails. Agora continuo nelas, mas quase as abandonei.
As redes sociais têm sua utilidade, isso é inegável - vide meu post sobre para que serve o Twitter, ou então lembremo-nos de quantas pessoas que não víamos há 20 anos redescobrimos pelo Orkut. E o Facebook tem a vantagem de permitir compartilhar em massa os "telegramas".
O grande problema é resumirmo-nos às suas restritas possibilidades de comunicação. "Restritas" porque o que chama a atenção nessas ferramentas pirotécnicas é o apelo visual e a quantidade de ícones coloridos disputando atenção em comparação com o minúsculo espaço para textos.
Isso parece ser sintoma de algo maior - o ponto é exatamente que as pessoas estão cada vez menos dispostas a encarar textos. E isso está sendo "legitimado" pelo formato imposto de interação usuário-Internet. Sim, "imposto", pois os sistemas não só valorizam os textos mais curtos, mas também - homessa! - simplesmente proibem o usuário de escrever além de certa conta! Primeiro foi o Orkut, com uns 1200 caracteres no máximo ou algo assim; depois o Facebook com 420; depois o Twitter com seus 140... tenho medo de imaginar o que virá em seguida!
A crise do e-mail também parece ter a ver com outra coisa mais ampla: uma queda nos próprios relacionamentos pessoais entre as pessoas. Uma aceleração do que talvez venha acontecendo pelo menos desde o advento da televisão e, depois do vídeo-game. Uma comentarista do texto da Kika mencionou aquelas criaturas que aparecem em reuniões de amigos e logo mergulham a cara num smartphone ou o que seja e ignoram todo o diálogo, toda a relação social à sua volta para ficar trocando mensagens fáticas e inócuas com seus botõezinhos coloridos.
O retorno fugaz da correspondência pessoal
Será isso o prosseguimento de um processo que começou com a morte da correspondência à mão? Pois, nos séculos XVIII e XIX, trocava-se toneladas de cartas quase todos os dias. Pelo menos, na elite que sabia escrever. Escritas com caligrafia, transmitindo aquele toque pessoal e íntimo (convido os leitores que não passaram por essa experiência a trocar umas correspondências de papel para verem a diferença que faz terem diante de si a caligrafia das pessoas). Havia até romances epistolares, histórias escritas inteiramente por meio de cartas fictícias, como "Relações periogosas" de Choderlos de Laclos. Mas, nas últimas décadas do século XX, a carta à mão praticamente despareceu.
No entanto, eis que aí vieram os e-mails. As pessoas voltaram a trocar megabytes de correspondências com gente do outro lado do mundo. Mas durou pouco... A moçada ainda se contacta freneticamente pela Internet, mas para interaçõezinhas telegráficas em geral anódinas.
Enquanto isso, reformas editoriais em jornais e revistas têm sido justificadas como se a diminuição do texto em prol do visual fosse uma grande virtude. As últimas foram a da Folha em maio do ano passado e a do Estadão logo em seguida, mas lembro-me de uma da Veja há quase dez anos. Em uma palestra de um de seus editores em uma aula no Laboratório de Jornalismo (Labjor) da Unicamp, ele explicou que a reforma aumentava a quantidade de imagens e diminuía a de textos - e se ufanava disso, enquanto nós estudantes ouvíamos boquiabertos.
Bem, de qualquer forma, eu não acho que o e-mail ou os blogs acabarão, pela simples razão que as pessoas que gostam de escrever mais que uma ou duas frases por mensagem não vão desaparecer. Apenas, essas ferramentas vão se acomodar à nova realidade. Mesmo assim, impressiona-me o buraco fundo em que está se metendo nossa sociedade.
O preço será cobrado
É, mas a lagoa há de secar. Por mais que nosso sistema se baseie na inovação e na tecnologia, ele ainda depende fundamentalmente da relação entre as pessoas e da sua capacidade de conceber estratégias e analisar a realidade à sua volta. E a fuga do texto é reflexo de numa fuga do esforço de análise e um abraço na passividade. Do jeito que as coisas estão caminhando, mais cedo ou mais tarde teremos uma gorda crise sistêmica por pura falta de cultura.
Sim... cultura! Tem gente que acha que cultura é apenas entretenimento. Um belo dia, terão uma surpresa e tanto!
Como evitar? Passa necessariamente pela escola. Sistemas inclusivos; pedagogias atualizadas que preparem para um usufruto equilibrado da Internet e que não "ensinem" os alunos a odiar a escrever, a ler e a pensar, como frequentemente acontece; professores bem preparados e bem pagos. E políticas públicas de fomento à cultura. Como sempre.
Roberto, esse texto parece meu, sem querer ser pretensiosa. Quero dizer que é exatamente o que penso a respeito do "fim" da escrita e de suas limitações. Para mim, professora de Português e Literatura, causa angústia ver a cada dia estudantes desatentos e pouco interessados em expressar suas idéias a não ser por uma escrita recheada de caracteres e abreviações estranhas. Isso sem falar no desinteresse pela leitura.
ResponderExcluirParabéns pelo artigo.
E um viva às antigas cartas! Ainda bem que vez ou outra escrevo uma.
Obrigado! E esse "telegrafismo" acaba privilegiando pensamentos peremptórios e simplistas, em detrimento das nuances e das ideias matizadas - não bastasse a pouca disposição para a análise já ter exatamente esse mesmo efeito. Justo quando mais precisamos de compreensão intercultural e multidisciplinar contra os radicalismos e as concepções preto-no-branco...
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