terça-feira, 1 de março de 2011

Crônica de um 11 de setembro anunciado

A CIA sabia da presença de dois membros da Al Qaeda em solo dos Estados Unidos desde 9 meses antes dos ataques de 11 de setembro de 2001 - porém, só avisou o governo poucas semanas antes dos atentados. Ninguém sabe por que ocultram a informação, a não ser os cerca de 60 funcionários da CIA que a compartilhavam.

Quem disse isso foi Richard Clarke - que, na época, era o responsável pelo combate ao terrorismo no governo Bush - numa entrevista para o jornalista Jorge Pontual, no programa Milênio, da Globo News, ontem à noite. Clarke contou que, na época dos atentados, conversava praticamente todo dia com o chefe da CIA e este não lhe passou aquele fragmento de informação.

O entrevistador chegou a perguntar-lhe se aquilo não era um indício de que o governo dos EUA deliberadamente deixou as coisas acontecerem. Clarke respondeu que não acreditava nisso; sua hipótese era que a CIA queria ver se transformava os dois membros da Al Qaeda em agentes duplos. Porém, quando a informação chegou ao presidente Bush filho, ele a ignorou. Segundo Clarke, nas semanas antes dos atentados, os funcionários do governo sabiam que algo iria acontecer, só não sabiam quando, onde ou exatamente o quê.

O tema central do programa foi a guerra cibernética, assunto do último livro de Clarke (“Cyber War: The Next Threat to National Security and What to Do About It” - em tradução livre de Pontual: “Guerra Cibernética: a próxima ameaça à segurança nacional e o que fazer a respeito disso”). [P.S. - E que comentei em outro post] Mas suas declarações sobre o 11 de setembro mereceram comentários à parte inclusive no blog do programa Milênio. Ali, Jorge Pontual lembra outros trechos da entrevista. Clarke foi o único funcionário que pediu desculpas às famílias das vítimas do atentado. Disse que ficou surpreso pelo fato de, depois que fez a sua retratação, ninguém o imitou. Nem mesmo na autobiografia de George W. Bush, abarrotada de informações, existe qualquer confissão de que tenha errado em algum momento.

Clarke deixou o governo em 2003 por conflitos com o presidente sobre o modo como ele geria a sua "guerra ao terrorismo", incluindo na invasão do Iraque naquele ano. Depôs à comissão que investigou os atentados de 11/09 e em seguida foi perseguido por Bush, que tentou difamá-lo.

Lembrando que o grande "motivo" alardeado por Bush e pelo governo do Reino Unido para a invasão do Iraque em 2003 foi a "existência" de armas de destruição em massa - químicas, biológicas - em seu território. As armas não foram encontradas. Até hoje o governo dos EUA tenta desculpar-se alegando depoimentos falsos - que existiram; recentemente, o The Guardian publicou uma matéria em que o "principal" informante de Washington sobre as armas iraquianas, Rafid Ahmed Alwan al-Janabi ou "Curveball", confessou ter mentido.

Outra "razão" para a invasão foi o envolvimento do ditador iraquiano Saddam Hussein com os atentados de 11 de setembro. O que é um disparate, afirmou Clarke, que lembrou também que morreram mais estadunidenses nessa guerra que nos atentados (2996 nestes últimos e mais de 4 mil na guerra até hoje, sem falar nos cerca de 100 mil iraquianos mortos, a maioria inocentes - vide, p. ex., a página da ONG Iraqi Body Count).


Por que o Iraque foi invadido?

Até hoje se discute por que Bush teria atacado o Iraque em 2003. Minha impressão é que houve uma conjuminação de motivações. Seriam elas:

  • Desviar a atenção pública da guerra mais diretamente ligada aos atentados de 11 de setembro, a do Afeganistão, que não só não resultou na prisão do principal acusado, Osama bin Laden, mas se aproximava de uma situação de atolamento.
  • O Iraque era o dos três maiores produtores de petróleo do Oriente Médio, ao lado da Arábia Saudita e do Kuwait. É verdade, porém, que uma fração pequena do petróleo consumido pelos EUA vem do Oriente Médio (as maiores fontes são, atualmente, Canadá, México, Nigéria e Venezuela).
  • O Iraque é o país que possui a maior concentração de água do Oriente Médio. Por ali passam os rios Tigre e Eufrates e entre eles há a fértil Mesopotâmia com seus terrenos pantanosos. E, naquela parte do mundo, água vale ouro. Quem controla o país controla os aquedutos que se espalham a partir dali para toda aquela região, ávida pelo preciso líquido.
  • O Iraque possui fronteiras grandes com dois dos principais elementos do "eixo do mal" escolhidos por Bush: a Síria e o Irã (vide mapa no fim deste texto). Poderia servir, no futuro, como base para neutralizar ou mesmo atacar esses países.
  • O Iraque proporcionaria uma ligação física direta entre a Europa, incluindo membros da OTAN como a Turquia, e o Golfo Pérsico (vide o mapa abaixo).
  • Saddam Hussein era uma pedra no sapato de Bush. A guerra feita por seu pai em 1990, após a anexação do Kuwait pelo ditador, não o depôs; ao contrário, ele permaneceu no poder enquanto violava periodicamente a zona de exclusão aérea imposta pelos EUA e driblava os inspetores da ONU que buscavam armas de destruição em massa, o que levava a eventuais ataques e bombardeios estadunidenses. Ficou 13 anos assim.
  • Alguns estudiosos, como Demétrio Magnoli, avaliam que, após os atentados de 11 de setembro, os EUA procuravam um "aliado incondicional" alternativo à Arábia Saudita, pois Osama bin Laden tinha ligações fortes com os wahhabitas, uma seita muçulmana radical muito presente naquele país e também estreitamente ligada ao governo do mesmo. A ideia era conquistar o Iraque e depois distanciar-se dos sauditas e seus wahhabitas malucos.
Nenhuma dessas motivações sozinha parece explicar a invasão, mas é possível que o conjunto delas, pelo menos na cabeça dos neocons que cercavam Bush, pudesse fazê-lo.

O Iraque, em verde, seria, se conquistado pelos EUA, uma ligação física direta entre a Europa e a estratégica região do Golfo Pérsico, passando pela Turquia, aliada dos EUA e membro da OTAN.

3 comentários:

  1. Gostaria de parabenizá-lo pelo blog :D Eu sou amiga da Tamiris e ela me disse que você vai escrever um livro, daí eu fiquei interessada, sempre quis saber como é um processo de edição de um livro, daí pedi para ver algum de seus textos.

    Bom, não sou muito politicamente ligada, não por futilidade ou ignorância, mas por opção. Creio que a politicagem passou, com o tempo, a ignorar o motivo de sua existência (a ideologia comum de um povo), para passar a ser mera manipulação de massas.

    Sobre o atentado de 11 de setembro, algumas coisas permaneceram de fato obscuras como, por exemplo, o fato de diversas pequenas explosões terem ocorrido quase que simultaneamente em diversos andares que não os atingidos pelos aviões dominados pelos terroristas... Acontece que os próprios engenheiros que deram pareceres à época dos fatos disseram ser estranha a forma como as torres se abalaram, pois suas estruturas foram feitas para suportar muito mais do que os impactos causados pelos aviões.
    Creio que algum objetivo como "marketing pessoal" fez parte da jogada inicial para a guerra EUA-IRAQUE.

    Mas isso tudo é a opinião de uma alienada política por opção.

    Muito bacana seus textos!
    Boa sorte!
    beijos :*

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  2. Olá, Vanessa! Que bom que gostou! Eu não sabia dessas explosões secundárias no resto do prédio... :o Eu também não manjo grande coisa de política, ainda que goste muito de relações internacionais. Mas, de fato, creio que passamos hoje por uma crise de... não diria nem de ideologias, mas de ideiais, mesmo. Parece está quase todo mundo meio anestesiado, sinto falta de uma combatividade maior - em mim e no resto da sociedade.

    E, de fato, comecei a escrever um livro sobre cosmologia - teorias sobre o Big-Bang alternativas à teoria atual. Em breve vou começar a postar algo a respeito em outro blog, chamado A Física se Move.
    http://afisicasemove.blogspot.com/
    Bjooo

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  3. vou acompanhar o outro blog também!
    obrigada pelo comentário no meu blog... como você deve ter constatado não sou do tipo que escreve ou analisa coisas sérias...
    O fato é que me dou ao luxo de, no auge dos meus 22 anos, ser um poço de futilidade e egocentrismo... auhahuahuauha
    Novamente obrigada pelo comentário.

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