"Um míope, obrigado a colocar o objeto mais perto, pode talvez por um exame próximo descobrir o que não viram muito melhores olhos." G. Berkeley, 1710"
Essa convidativa tirada foi posta a público há exatamente trezentos anos pelo filósofo irlandês George Berkeley, para justificar aos leitores e a si mesmo por que ó raios ele, um reles, um mero, se meteria a escrever um pomposo "Tratado sobre os princípios do conhecimento humano" após "tantos homens grandes e extraordinários" se debruçarem sobre assunto tão espinhoso.
Eu tenho 6,5 dioptrias num olho e 7 no outro, e sinto que meus dois hemisférios cerebrais não ficam muito atrás. Sinto-me representado muito bem pelo ilustre setecentista...
Mas alto!, não se trata apenas do estimulante esporte de "discorrer longamente sobre assunto que desconheço" (concordo, Tom Jobim!), mas de reconhecer que todos podemos e devemos ter opiniões sobre assuntos tão vários quanto queiramos, quer nos afetem ou não, da física quântica ao valor do salário mínimo, das letras do Chico à política russa na Tchetchênia. Para isso, basta ter postura crítica e disposição para sair atrás do que lhe interessa. O que significa "pensar com sua própria cabeça".
Ademais, é experimentando o alienígena que conseguimos escapar dos nossos trilhos viciados de pensamento. E assim propor soluções para o aparentemente sem solução. Pois, como se diz, o impossível é, muitas vezes, apenas o inimaginável...
Misture tudo
Tudo isso significa também agir contra a fragmentação estanque do conhecimento que nos assola cada vez mais aprofundadamente. O que vai de encontro à principal razão para este blog se chamar "Desespecialistas" (o nome foi uma sacada brilhante e repentina de Elizabeth Maria Gigliotti de Sousa, num papo no Frans' Café regado a soda italiana de maçã verde).
Creio que qualquer pessoa que já tenha sentido necessidade de consultar um médico para poder decidir a qual especialista ir para tratar um problema de saúde saberá bem do que estou falando. Isso é a ponta de um iceberg; ela assola todo o conhecimento humano, desde o cabo até o rabo.
As iniciativas inter- e multidisciplinares que começam a povoar o ambiente acadêmico de nada servirão se não forem acompanhadas de uma postura desfragmentizante na sociedade, que rejeite a autoridade intelectual imposta por si só e, ao contrário, demonstre o respeito ao conhecimento de causa alheio submetendo-o à postura crítica e ao "pensar com sua própria cabeça". "Tanto em cima como embaixo", diziam os antigos.
Pois pontos de vista diferentes enriquecem propondo perguntas diferentes e levantando lebres diferentes. Fora dos trilhos.
Logo, tuitar, facebukar, blogar - e papear no bar (ei, nem só de mundo virtual vive o ser humano!). Mas sempre pensando com a própria cabeça (senão esses veículos não farão mais que retumbar um consenso estéril!).
Assim sendo, dar-me-ei ao direito de manifestar o que neuronam meus hemisférios neste espaço virtual!
Em tempo: Reparem que o título está no plural. Pois contempla os comentadores que enriquecerão, espero, as postagens, com suas cabeças diferentes da minha.
Falei demais. Até a próxima!
Bem, talvez tenha q se tentar um meio termo. Pois, do contrário, incorre-se no risco do ultracrepidarismo e da autossuficiência arrogante: "eu sei, não importa o que digam os especialistas, eles estão errados".
ResponderExcluirAgora, qual a dose certa entre humildade e ousadia é algo que ninguém sabe. Se é que existe uma única dose válido para todos e para todos os momentos...
[]s,
Roberto Takata
Isso, xará! Na verdade, por isso que eu pus "demonstre o respeito ao conhecimento de causa alheio submetendo-o à postura crítica e ao 'pensar com sua própria cabeça'". Quer dizer, não se trata de repudiar o conhecimento dos especialistas, mas de ter autonomia intelectual em relação a ele.
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