sábado, 19 de fevereiro de 2011

Conferências com longos coffee-breaks, por favor

Para que viajar até o fim do mundo para ver alguém importante falar numa conferência se hoje pode-se ouvi-lo pela Internet ou ler o que ele tem a dizer em seus artigos e livros? Foi esta a pergunta que me fazia cada vez mais desde meu primeiro congresso, em 1994, em Caxambu, MG, quando ainda fazia mestrado em Física na Unicamp.

Demorei para compreender. E demorei porque a resposta é algo que a sociedade brasileira ainda não absorveu muito bem.

O melhor de seminários e conferências não são as palestras em si, mas a interação tête-à-tête que se dá entre as pessoas nos intervalos, nos almoços e nos corredores de hotéis. Isso não pode ser substituído pela Internet. No entanto, já fui em várias conferências no Brasil nas quais quase não havia tempo para isso - ou então os atrasos e os desrespeitos dos palestrantes pelo tempo dos colegas que falariam em seguida obrigou os organizadores a deixar apenas uns 5 minutos para o cafezinho.

É nos encontros pessoais que se faz contatos. A ciência é uma atividade social, como qualquer atividade humana. Só funciona tendo como lastro redes sociais ativas entre pesquisadores, estudantes, veteranos "monstros sagrados" e, por que não, curiosos. E o contato requer presença humana. As redes sociais e e-mails só o conseguem até um certo ponto. E não podem nem de perto conseguir o que faz um papo presencial, olhos nos olhos, tendo acesso a toda a linguagem não-verbal do interlocutor e ao seu fluxo de ideias em tempo real - a dinâmica é muitíssimo mais rica.

Ademais, é preciso "circulação". Sair da toca, circular, interagir com gente de outros países, outras culturas, outras áreas. Europeus e estadunidenses fazem isso o tempo todo. Nós, muito menos. Enquanto for assim, continuaremos culturalmente a reboque e defasados dos grandes produtores de movimentos culturais do mundo, sempre aderindo a modas criadas em outros contextos com anos ou décadas de atraso (com raríssimas exceções).


Dois bons exemplos

Em um minicurso voltado a pós-graduandos que aconteceu em janeiro no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), perto de Campinas, SP, a organização fez questão de colocar intervalos - ou coffee-breaks - de meia hora entre cada bloco de palestras. O resultado foi desproporcionalmente prolífico. Comentei com alguns organizadores, no final, minha agradável surpresa com o tamanho dos coffee-breaks e do efeito que eles produziram. Ao que me responderam que fora uma escolha consciente, proposital da direção do laboratório, e recuraram-se a permitir que o cronograma apertado justificasse diminuir o seu tamanho.

Foi uma sorte muito grande eles terem optado por isso, pois a multidisciplinaridade do evento me surpreendeu. Isso, apesar de eu estar há meses escrevendo textos de divulgação sobre as pesquisas do laboratório para seu site. Imaginava trabalhos sobre física ou, estourando, físico-química ou bioquímica. Mas apareceram palestras sobre mudanças climáticas, biologia e até paleontologia. Num caso desses, o coffee-break é mais fundamental ainda, pois sem ele o evento seria apenas uma superposição de temas diferentes, sem articulação entre eles. São os encontros pessoais nos intervalos que fazem com que as pessoas de diferentes áreas realmente interajam, aprendam umas com as outras, enriqueçam-se com ideias de gente de áreas diferentes que vêem os trabalhos com outra perspectiva, levantando outras questões.

Outro caso semelhante aconteceu em uma conferência em agosto do ano passado em Itatiba, no interior de São Paulo, por ocasião dos 350 anos da Royal Society, do Reino Unido. A secular entidade britânica comemorou com eventos por todo o mundo. A proposta em Itatiba foi justamente reunir cientistas de várias áreas distintas - física, biologia, ciências do ambiente, geologia, ciências humanas.

Para que novas ideias emergissem da interação e do contato entre pessoas com cabeças muito diferentes. Por essa razão, as palestras deveriam ser compreensíveis para não-especialistas. Eram pesquisadores jovens, mas já com reconhecimento pela qualidade de seus trabalhos, para que fossem mais abertos a novas ideias e tivessem "a vida pela frente" para transformar sementes diferentes em frutos originais. A foto do início deste texto mostra uma das palestras, de Edson Amaro Júnior, sobre plasticidade cerebral (capacidade do cérebro de estabelecer espontaneamente novas conexões entre neurônios para o aprendizado e para substituir lesões).

Na verdade, essa interação planejada entre alienígenas não funcionou muito bem durante as palestras - pessoas de outras áreas pareciam muito tímidas para fazer perguntas. Mas elas se soltavam nos intervalos e então esse encontro teve os coffee-breaks mais extraordinários de que já participei. Sentei-me à mesa, nos almoços, com pessoas de tudo que é área, perguntava-lhes o que me dava na telha, satisfazendo minha curiosidade, e vi pessoas botando para fora ideias que tinham sobre os mais diversos assuntos.

Coffee-break entre dois blocos de seminários em Itatiba, na Fazenda Dona Carolina. Foi nessas conversas animadas e também nos almoços e nas dependências do hotel-fazenda que o evento mostrou suas faces mais interessantes e prolíficas.

Os dois casos - Itatiba e LNLS - foram também exemplos interessantes de circulação. O Laboratório Síncrotron já faz naturalmente colaborações científicas internacionais numerosas - tenho escrito sobre trabalhos com colaboradores da Itália, Suécia, Argentina, República Tcheca; e o próprio diretor-científico da instituição, Yves Petroff, é um francês vindo do laboratório síncrotron de Grenoble. Os esforços do LNLS para explorar esse potencial de circulação começaram recentemente a serem premiados com estudantes estrangeiros se interessando em vir fazer pós-graduação no Brasil - uma inversão surpreendente do fluxo que imaginamos ser o "normal".

Em compensação, quando fui a uma conferência de Física em Viena, em 1997, quando ainda era pesquisador - mas não tinha nenhuma experiência em como aproveitar tais encontros - voltei com uma sensação de tempo perdido. Havia gente de tudo que é país, da Hungria ao Uzbequistão. Mas simplesmente não aproveitei os intervalos, que havia de sobra, porque achava que o principal do evento eram só as palestras e o resto era "tempo livre" para fazer turismo ou estudar qualquer coisa; estava ali para "mostrar serviço", não para ficar papeando pelos cantos... Ledo engano.

Ninguém tinha me dito o que eu deveria fazer em Viena. Portanto, agora digo eu. Organizadores brasileiros: conferências com coffee-breaks generosos, por favor. Palestrantes: não "comam" o tempo dos palestrantes seguintes. É o mínimo. Participantes: "devorem" os coffee-breaks; tratem os encontros fortuitos em corredores de hoteis como oportunidades de ouro. E depois gerenciem os contatos que conseguiram, para que eles cresçam e formem uma rede, e não se desfaçam em pouco tempo.

Um comentário:

  1. Há um outro fator que o contato presencial em congressos torna a troca mais prolífica (ao menos potencialmente). À distância, as pessoas não estarão desligadas de outros afazeres de seus laboratórios. Em um congresso, elas estarão lá só para isso. (Mesmo se tiver uma bela praia à frente.)

    Na SBG eu levei trabalho de casa (aka, coisas do doutorado pra fazer), o resultado é que eu não estava lá no congresso de verdade e não aproveitei bem a interação - fiquei trancafiado no quarto do hotel boa parte do tempo.

    []s,

    Roberto Takata

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